terça-feira, 7 de setembro de 2004

Justiça Agrária resolve?

Editorial do Jornal O Estado de São Paulo - 7 de Setembro de 2004 - página A03.
"Não adianta uma Justiça Agrária, se o MST não respeita nenhuma"

Se a lentidão da Justiça comum fosse a responsável pela violência crescente no campo, pelos números recordes de invasões e por todo tipo de desrespeito às leis que se assiste no meio rural, em praticamente todas as regiões do País, teria algum sentido a sugestão que fez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Edson Vidigal, no sentido de criar-se uma Justiça Agrária, especializada em questões fundiárias ou conflitos relacionados à posse da terra. Não é disso, porém, que se trata. Tanto a Justiça tem feito sua parte, ao julgar, tempestivamente, e conceder liminares em pedidos de reintegração de posse ou de interditos proibitórios, destinados a fazer cumprir direitos assegurados pelas leis e pela Constituição do País, quanto existe um ordenamento jurídico em pleno vigor, capaz de disciplinar as questões fundiárias e tudo o mais que se refira a interesses em conflito, no campo, muito embora os processos de desapropriação, para efeito de reforma agrária, tenham que passar por um indispensável ritual contraditório - inclusive no que diz respeito à produtividade ou não da propriedade rural - sem o qual lesados estariam os direitos possessórios. E esse processo às vezes demanda tempo maior do que o desejado pelo Poder expropriante.
Reconheça-se - e disso não é culpado o Judiciário - que tem havido um longo tempo entre uma decisão judicial e seu cumprimento. Muitos mandados de reintegração de posse, por esbulho possessório, não resultam na rápida retirada dos invasores de fazendas que ocuparam. Tome-se o exemplo estampado no noticiário da quinta-feira: a Fazenda Três Marias, no município de Manuel Ribas, no Paraná, que foi desocupada agora, depois de 16 meses de sua invasão por integrantes do Movimento dos Sem-Terra (MST), em maio de 2003, e obtivera uma liminar de reintegração de posse três dias depois da invasão.
E, ao se retirarem da propriedade, os invasores a deixaram praticamente arrasada - destruindo tudo o que não puderam carregar. Será que o advento de uma "Justiça Agrária" teria o condão, por si, de fazer cumprir a lei e evitar - ou pelo menos punir - os selvagens vandalismos?
É evidente demais para ser negado que a agressividade do MST e de entidades que lhe são assemelhadas - e que com aquele movimento já têm travado dura competição - tem apenas recrudescido, ante a leniência geral das autoridades públicas em reprimir a vasta gama de abusos que têm praticado. Pois a rigor nada tem acontecido, em termos de cobrança e punição, aos que interditam rodovias e impedem o direito de ir-e-vir das pessoas, aos que acampam e tomam posse do espaço público, às margens dessas rodovias, aos que saqueiam e depredam cabines de pedágio, aos que roubam animais das fazendas, saqueiam cargas de caminhões e supermercados, destroem equipamentos de produção agropecuária e sedes de fazendas, colocam colonos em cárcere privado - quando não os torturam - e perpetram outras violências de variada ordem.
Nada tem acontecido, a não ser o privilégio de posarem os seus líderes para fotos ao lado do presidente da República de boné vermelho enfiado na cabeça.
Também é evidente que o Ministério do Desenvolvimento Agrário - comandado pelo ministro Rossetto - tanto quanto o braço executor do programa de reforma agrária do governo, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), têm sido as entidades mais estimuladoras - mesmo que involuntariamente - da tensão no campo. Ou qual seria a razão maior de o número de invasões, no governo Lula, apenas no primeiro semestre deste ano já ter ultrapassado 250, quando em todo o ano passado não ficara pouco além de 220?
Agora, é certo que o governo está seriamente preocupado com a impossibilidade de vir a cumprir a anunciada meta de 115 mil famílias assentadas, até o final de dezembro. Isso ocorrendo - e cada vez mais parece inevitável que ocorra - serão imprevisíveis as reações dos militantes sem-terra, que passarão a dispor do argumento que mais gostam de usar, para justificar seu esbulho sistemático de terras alheias, a saber, o atraso no cumprimento do prometido programa de reforma agrária. Mas não será a criação de nenhum novo "tipo" de Justiça que resolverá essa questão. Como disse o presidente do Tribunal de Alçada Criminal, José Renato Nalini, comentando a sugestão do presidente Lula, podem-se instalar varas agrárias nos Estados, como prevê a Constituição, mas não tem sentido criar mais uma Justiça para tratar dos conflitos agrários.

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