sábado, 23 de julho de 2005

Bancos, Idéias e Conflitos

Eugênio Mussak

Duas pessoas entram no metrô por portas diferentes, cada uma à mesma distância do único banco disponível naquele vagão. Ambas estão cansadas após longo dia de trabalho e, cada qual, com o sapato apertado. São do mesmo sexo, têm a mesma idade, o mesmo porte físico e carregam a mesma quantidade de objetos. As duas são iguais, inclusive no sentimento de que está, cada uma, mais cansada que a outra sendo, portanto, mais merecedora do prémio de sentar-se durante a viagem. Qual conseguirá sentar-se? Estamos presenciando um conflito?

Disputas por bancos de metro não são comuns, pois fazer prevalecer o espaço para os glúteos não parece ser tão importante assim. Logo haverá outro banco e a viagem terminará. No entanto, fazer prevalecer ideias, opiniões parece ser mais significativo, mais grave, e muito, muito mais frequente.

Choques de interesses são comumente chamados de conflitos. Duas pessoas que desejem ocupar o mesmo lugar conflitam. Um banco no metro foi feito para acomodar uma pessoa, não duas. Se só houver um disponível, a outra pessoa terá de ficar de pé, e isso pode originar um conflito. O lugar em questão é físico, mas poderia ser mental. Pessoas conflitam quando insistem em que sua opinião prevaleça, ou seja, ocupe o lugar de destaque, imponha-se, vença, instale-se e, dessa forma, declare e represente a força de seu criador. Ocupar um espaço foi uma preocupação humana desde sempre. Faz parte de nossa natureza, pertence ao capítulo da sobrevivência e do desenvolvimento da espécie.

Mas há uma diferença fundamental entre bancos de metrô e idéias, e ela consiste no fato de que, ao contrário do banco, a ideia pode ser ampliada. Entre duas pessoas, cada uma com seu cansaço, só uma ocupará o único banco disponível. Entre duas pessoas, cada uma com sua idéia, as duas podem ocupar o lugar onde a idéia deve ser depositada, ou aplicada, pois idéia não ocupa lugar ou, melhor do que isso, cria o próprio lugar para repousar.

Idéias não são traseiros cansados pela luta nem flácidos pelo tempo. Ideias são dádivas divinas, presentes da natureza, representação maior da qualidade humana. Só o Homem tem idéias. Lembremos Platão, que dizia que a perfeição mora no mundo das idéias, não no mundo dos sentidos. Até o amor, idéia mais sublime, só será perfeito nesse plano, por isso o ideal é o amor platónico, livre do ciúme, da cobrança, da posse.

Idéias jamais são opostas, o que se opõem são personalidades. Idéias se complementam, se ampliam, se ajudam. Uma idéia sozinha definha, pois não tem a outra para procriar a ação. Uma idéia sozinha pensa que é unânime, mas é pobre, é solitária, é fraca, é estéril, pois não conseguiu fazer com que outra ideia aparecesse. Uma ideia precisa de outra e ambas precisam do diálogo, da disposição, do entendimento. Duas teses iguais não geram uma síntese, continuam sendo teses. Teses divergentes chamam, uma à outra, de antítese. Do diálogo entre ambas nasce a síntese, que também pode ser chamada de consenso, de conclusão, de crescimento, evolução, harmonia...

O conflito não é mau. O que é má é a indisposição à sua resolução. O que é mau é o sectarismo antiquado, a intolerância burra, a certeza total. Bom é o diálogo, boa é a criatividade, que encerra nosso lado verdadeiramente divino, a capacidade de criar, ou de continuar a criação, especialmente quando aplicada à resolução dos problemas próprios da arte de nos manter vivos, e não só como corpos, que temos, mas como dignidades, que somos.

Conflitos de idéias só serão ruins enquanto as ideias continuarem a ser tratada como traseiros cansados e, se esse é o seu caso, amigo, prefiro que você pare de ter ideias. Sempre haverá um traseiro maior que o seu.



Eugênio Mussak é médico, educador e autor do livro Além da Competência (Editora Gente).